
O projeto de extensão Observatório da Cidade, coordenado por André Luís Carvalho e Karina Gomes Barbosa – professores do Departamento de Jornalismo da Ufop (Dejor/Ufop) -, se ancora nos princípios do jornalismo cívico para criar um observatório de monitoramento dos serviços públicos oferecidos pelos governos municipal, estadual e federal em Mariana. Tal observatório visa mensurar a qualidade da oferta desses serviços, a transparência com que são distribuídos, assim como avaliar a resolução de problemas enfrentados pela população marianense.
Para se pensar os impasses enfrentados pela população no tempo presente se faz necessário compreender os processos que constituíram a história da cidade de Mariana e seu entorno. Por isso, estamos no processo de levantamento do conhecimento já produzido pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), principalmente nos programas de pós-graduação, que abordam como a cidade de Mariana se constituiu – no tocante aos serviços públicos e de infraestrutura urbana. Esse levantamento é essencial para traçarmos as raízes históricas de problemas contemporâneos na cidade.
Ao verificar o Repositório Institucional, a Biblioteca Digital De Trabalhos De Conclusão De Curso e websites de cursos da universidade, observa-se que a quantidade de trabalhos expostos nas plataformas não parece contemplar as tantas produções realizadas pela comunidade acadêmica da Ufop. Tentamos contato com as secretarias dos colegiados: alguns cursos não nos responderam, outros enviaram listas de defesas, outros ainda nos redirecionaram para os sites dos cursos.
O Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Mariana, transferido para os domínios do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da Ufop no ano de 19941, abriga um acervo dos mais abundantes, dispondo de uma rica documentação sobre as atividades administrativas da região que conhecemos hoje como Termo de Mariana entre o início do século XVIII ao fim do XX. Anny Jackeline Torres, professora do Departamento de História da Ufop (Dehis/Ufop) e atual coordenadora do Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Mariana, informou, via e-mail, que as atividades do AHCMM estão suspensas, devendo retornar no segundo semestre. Não se sabe ainda como será o atendimento externo.
No site do Laboratório de Pesquisa, Ensino e Extensão em História (LPH), encontra-se um inventário com os códices de arrematações e contratos do período de 1715 a 1928. Há também um catálogo com os códices de documentos administrativos enumerados – do século XVIII ao fim do XX. Segundo o LPH:
Os Termos de arrematação, por vezes denominados Autos, se referem à dinâmica de contratação de serviços necessários ao funcionamento da vida urbana, como calçamentos, pontes, abertura de ruas e estradas, iluminação pública, construção de curros e palanques e contratação de músicos para as festividades. Parte da documentação trata do arrendamento das rendas da câmara à terceiros, que se dava através de hasta pública anualmente, com o devido ritual que caracterizavam os leilões. Parte da documentação se refere ao aforamento de terras na vila e seus subúrbios, especialmente no último quartel do século XVIII. […] A série (do inventário) constitui importante fonte para o estudo da vida política, econômica e social de Mariana, fornecendo aspectos do funcionamento administrativo da urbs, das relações políticas e constituição dos poderes locais que atuaram e se alternavam na câmara municipal desde seus primórdios (LPH, p. 2, 2017)2.
A página virtual do Laboratório de Pesquisa, Ensino e Extensão em História abarca também algumas pesquisas monográficas que conversam com o acervo do AHCMM. Dentre as selecionadas, destaco a monografia de Denise Maria Ribeiro Tedeschi3 intitulada O emanar das Minas: a atuação da Câmara no provimento da água em Mariana (1740-1760). No capítulo final de sua pesquisa, Tedeschi trata da importância de cruzar a forma com que se manipulava a água (provimento) com o consumo da mesma – água essa que o uso comportava hábitos de uma determinada sociedade4 (TEDESCHI, 2007). Com a leitura do capítulo é possível compreender os chafarizes como principal meio de abastecimento de água da população durante o século XVIII até meados do XIX, com o entorno deles sendo caracterizado como um espaço de sociabilidade e de tensões.
O que hoje denominamos Praça Gomes Freire, por exemplo, já fora o Largo da Cavalhada, constituindo-se sempre como local de sociabilização independente das várias remodelações e nomes5. A dissertação A sociabilidade do Jardim de Mariana-MG : distintas formas de experiência da Praça Gomes Freire, de Felipe Davison Barboza Carneiro, e a monografia Través do Jardim: um experimento documental sobre os domingos na praça Gomes Freire (Mariana – MG), de Raquel Augusto Satto Vilela, permitem compreender a atmosfera sentimental, os encontros e os conflitos deste espaço.
Denise Tedeschi utilizou como uma de suas fontes bibliográficas o artigo O espaço urbano de Mariana: sua formação e suas representações, de Cláudia Damasceno Fonseca. O artigo foi publicado no primeiro volume do Termo de Mariana: história e documentação Mariana:
O texto apresenta informações precisas sobre as principais edificações civis e religiosas, os arruamentos, as obras públicas, numa direção que em nenhum momento negligencia o papel da dinâmica social nas alterações sofridas pela urbe ao longo dos séculos XVIII e XIX.6
Fonseca, que está presente entre os autores do levantamento realizado, foi uma das referências para a pesquisa de mestrado de Tércio Voltani Veloso, A dimensão dos lugares: fluidez, dinâmica social e ocupação do espaço urbano em Mariana nos Livros do Tombo de 1752, e também para a dissertação de Gabriel Luz de Oliveira, Os veios profundos de Mariana (Minas Gerais): transformação do espaço urbano na cidade-patrimônio (1938-1967). O processo de constituição do que hoje é o município de Mariana foi caracterizado pela marginalização das comunidades do entorno da região conhecida, atualmente, como Centro Histórico. Entre os materiais levantados há duas produções, uma de forma breve, que destacam a formação do Alto Rosário e do Bairro Cabanas – A questão habitacional como mercadoria: um estudo sobre a ocupação Alto Rosário em Mariana (MG), de Letícia Costa De Castro Maia (Serviço Social), e Caminhar pelo Cabanas: uma cartografia sobre o cotidiano do bairro, de Mariana Reis Pinto Leão (Jornalismo).
Durante o levante de materiais produzidos pela a universidade sobre serviços públicos e infraestrutura urbana em Mariana-MG, encontrei o artigo PROJETO SÉPTICA – Experiências em extensão para o saneamento rural na bacia hidrográfica da cachoeira do Brumado (Mariana –MG). A publicação é fruto de uma pesquisa entre discentes que participaram do Programa de Educação Tutorial (PET)7 dos cursos de Engenharia Civil e Engenharia Ambiental. Os pesquisadores concluíram que:
Através dos estudos conduzidos na região e das vivências junto à comunidade de Cachoeira do Brumado, constatou-se que a bacia em questão possui diversos problemas relacionados ao saneamento básico, decorrentes principalmente da ausência do Estado no cumprimento deste serviço. O trabalho, que originalmente tinha como foco a recuperação de um espaço de lazer e ponto turístico do distrito, desvelou uma situação ainda mais grave: a violação constante dos direitos humanos ligados ao acesso à água potável e ao saneamento básico na região; a contaminação de diversos pontos da bacia; e a escassez de políticas públicas de saneamento básico que contemplem os distritos e comunidades rurais do município de Mariana.8
A população periférica, em relação ao Centro Histórico, assim como os distritos do município, passa pela marginalização do ser. Quando se faz a presença do saneamento básico, fica o questionamento de como é feito o tratamento da água pelo órgão competente. Devido à indústria de exploração mineral na região, os moradores de distritos como Passagem de Mariana são expostos não só a elementos tóxicos presentes nas águas subterrâneas e superficiais.
Foi selecionada uma produção monográfica do curso de Arquitetura, denominada Acessibilidade em edificações de uso público: estudo de caso em Mariana, Minas Gerais, de Pamella Maria Cunha. Constata-se na pesquisa que existe uma grande lacuna entre a vigência das leis e normas e sua aplicação nos espaços urbanos (CUNHA, 2019).
Ao realizar o levante de materiais sobre a constituição urbana da cidade de Mariana, encontramos dois artigos e uma dissertação de pesquisadores de Engenharia Ambiental: Alberto de Freitas Castro Fonseca e José Francisco do Prado Filho. Os dois trataram em suas produções o abastecimento de água em Vila Rica, durante os setecentos, e a implantação de um sistema de água e esgoto em Ouro Preto, aos fins do século XIX. Foi selecionada também uma pesquisa monográfica do curso de História intitulada FAÇA-SE A LUZ: modernidade e demandas sociais na eletrificação da iluminação pública em Ouro Preto, 1880-1920, de André Luiz Mantovani.
O material levantado possui uma riqueza explicativa e histórica muito grande, ainda assim, é necessária uma pesquisa mais profunda para que consigamos produzir um levantamento correto acerca dos conhecimentos já existentes, sobre a temática, na Ufop.
Enia de Freitas Almeida
NOTAS
1. ARQUIVO Histórico da Câmara Municipal de Mariana. In: UFOP (Instituto de Ciências Humanas e Sociais). LPH (org.). LPH – Laboratório de Pesquisa, Ensino e Extensão em História. Disponível em: https://lph.ichs.ufop.br/arquivo-hist%C3%B3rico-1. Acesso em: 28 jul. 2020.
2. FIGUEIREDO, Cecília Maria F. INVENTÁRIO DA SÉRIE “TERMOS DE ARREMATAÇÃO E CONTRATOS – 1715- 1928” DO ARQUIVO HISTÓRICO DA CÂMARA MUNICIPAL DE MARIANA. In: UFOP (Instituto de Ciências Humanas e Sociais). LPH – Laboratório de Pesquisa, Ensino e Extensão em História (ed.). Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Mariana. 2017. Disponível em: https://lph.ichs.ufop.br/sites/default/files/lph/files/inventario_completo_arrematacoes_e_contratos_1.pdf?m=1525724400. Acesso em: 28 jul. 2020.
3. Doutoranda pela Universidade de São Paulo; Professora de História da Educação Básica, Técnica e Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG, Belo Horizonte).
4. TEDESCHI, Denise Maria Ribeiro. O emanar das Minas: a atuação da Câmara no provimento da água em Mariana (1740-1760). Orientador: Álvaro de Araújo Antunes. 144 p. Monografia (História) – Universidade Federal de Ouro Preto, ICHS, 2007 [p.97]
5. FONSECA, Cláudia Damasceno. O espaço urbano de Mariana: sua formação e suas representações. In: Termo de Mariana: história e documentação Mariana: UFOP, 1998. p.38.
6. Ibid., p. 7.
7. Thaíssa Jucá Jardim Oliveira/Tamires da Silva Estevam/Lívia de Andrade Ribeiro/Natália Ladeira Milagres/Jessica Pereira Duarte/André de Oliveira Faria/Rosana Nogueira Silvério/Julia Teixeira Pimenta/Joao Batista Neto/Anibal da Fonseca Santiago
8. OLIVEIRA, T. J. J. et al. Projeto Séptica – experiências em extensão para o saneamento rural na bacia hidrográfica da cachoeira do Brumado (Mariana – MG). Revista Além dos Muros da Universidade (ALEMUR), v. 3, p. 6-23, 2018. Disponível em: https://www.periodicos.ufop.br/pp/index.php/alemur/article/view/1367/1414. Acesso em: 28 jul. 2020.